A VOZ DO PASTOR | Reflexão sobre a Liturgia do IV Domingo da Quaresma

 

Reflexão sobre a Liturgia do IV Domingo da Quaresma


Queridos irmãos e irmãs em Cristo Jesus,

    Neste Domingo Lætare, o Domingo da Alegria, somos convidados a renovar nossa esperança em meio à caminhada quaresmal. A antífona de entrada, “Alegra-te, Jerusalém! Reuni-vos, vós todos que a amais! Cheios de júbilo, exultai de alegria, vós que estais tristes, e sereis saciados nas fontes da vossa consolação.”, com seu vibrante “lætare” – do latim, que significa “alegra-te” ou “rejubila-te” –, anuncia que, apesar das penitências e das provas deste tempo, a alegria da Páscoa já desponta no horizonte. Assim como Jerusalém, que se regozija em meio à adversidade, somos chamados a reconhecer que o caminho da conversão é, antes de tudo, uma jornada de esperança, de cura e de renovação profunda.

    A primeira leitura, extraída do livro de Josué, apresenta-nos a cena da chegada dos israelitas à Terra Prometida. Após anos de travessia pelo deserto, quando o maná, alimento providencial que sustentou o povo, cessa de cair, eles passam a se alimentar dos frutos da terra. Esse momento simboliza não somente a concretização da promessa de Deus, mas também a transição de um tempo de dependência para um tempo de plenitude e confiança na providência divina. Assim como o povo de Israel, nós, em nossa jornada de fé, somos convidados a deixar para trás aquilo que nos impedia de desfrutar a vida abundante que Deus deseja nos oferecer.

    Na segunda leitura, São Paulo nos lembra que, em Cristo, “todo aquele que está em Cristo é uma nova criatura”. Essa verdade nos desafia a abandonar o velho eu, marcado pelo pecado e pela separação, e a abraçar a nova vida que vem da reconciliação com Deus. O apóstolo nos convoca a sermos embaixadores de Cristo, proclamando a mensagem de reconciliação que transforma o mundo. É um chamado para que cada um de nós viva a conversão diariamente, permitindo que a graça divina transforme nossas fraquezas em força e nossas dores em esperança.

    O Evangelho de hoje, com a famosa parábola do Filho Pródigo, é o ponto culminante dessa mensagem de misericórdia e reconciliação. Jesus apresenta-nos uma história que vai muito além de um simples relato de errância e retorno. O filho mais novo, ao pedir sua parte da herança antes mesmo da morte do pai, demonstra, de forma abrupta e dolorosa, como o pecado pode levar o coração a se afastar da vida plena em Deus. Esse pedido, que simboliza uma espécie de “morte” antecipada do pai em seu coração, é o retrato de um afastamento radical que o mundo oferece: a ilusão de liberdade, que na verdade é a condenação à solidão e à miséria. Quando esse filho se vê na mais profunda miséria, ao ponto de desejar a comida dos porcos – animais, segundo a Lei judaica, considerados impuros –, ele experimenta o abismo que resulta de sua própria separação. No entanto, mesmo nesse estado de completa degradação, ele recorda que na casa do pai havia fartura, até para os empregados. Esse detalhe, aparentemente simples, é carregado de significado: o pai, que trata bem até os seus servos, simboliza um Deus que, mesmo diante de nossa rebeldia, jamais deixa de cuidar e prover para seus filhos.

    Quando o filho pródigo decide voltar, não o faz com orgulho ou exigência, mas com a humildade de reconhecer sua condição. E, ao avistá-lo de longe, o pai se enche de compaixão, corre ao seu encontro, o abraça e o reveste com vestes novas, um anel em seu dedo e sandálias nos pés. Essa cena é o retrato máximo da misericórdia divina, um convite para que, independentemente de nossos erros e afastamentos, possamos sempre encontrar em Deus um Pai amoroso que nos espera de braços abertos. Ao mesmo tempo, o relato nos faz refletir sobre nossa relação com os irmãos. Quantas vezes, por conta do orgulho, da autojustiça ou da criação de barreiras em nossas comunidades, negamos a compaixão que deveríamos oferecer? O filho mais velho, que se recusa a participar da festa de reconciliação, representa justamente essa postura, semelhante à dos fariseus e escribas, e até mesmo a de alguns de nós, que, protegendo nossas 'bolhas de fé' nas pastorais, movimentos e outros grupos, tendemos a afastar os que estão em necessidade de um recomeço.

    Hoje, a mensagem de Jesus ecoa com força em nossos corações. Não se trata apenas de um relato de errância e retorno, mas de um convite à reconciliação verdadeira: a reconciliação com Deus e com nossos irmãos. Quando, pelo pecado, matamos a presença do Pai em nosso coração – como fez o filho pródigo ao desejar a herança antes de seu tempo – estamos, na verdade, privando-nos do amor transformador que somente a misericórdia divina pode oferecer. A realidade é que a reconciliação exige não só o perdão, mas também o ato de restaurar os laços, de permitir que a compaixão e a empatia superem as barreiras do orgulho e da desconfiança. É preciso distinguir perdão de reconciliação: perdoar é liberar a mágoa, é renunciar ao rancor, enquanto a reconciliação é o caminho pelo qual, ao estender a mão ao outro, restauramos a comunhão que foi quebrada. E, embora ambos sejam processos muitas vezes difíceis e demorados, são a base da cura e da restauração que Deus deseja para cada um de nós.

    Em nossos dias, muitos carregam cicatrizes de relacionamentos marcados pela ausência de um pai ou de figuras paternas que não refletiram o amor de Deus. A dificuldade de acreditar em um Pai misericordioso é real, especialmente quando nossa experiência de paternidade foi permeada por incompreensão, dureza ou violência. Porém, a verdade que o Evangelho nos traz é radical e libertadora: há um Pai celestial que ama cada um de nós de forma incondicional, que se compadece das nossas fraquezas e nos reveste com novas vestes – símbolo do sacramento da Reconciliação, que nos faz renascer na graça –. Esse Pai não apenas perdoa, mas nos restaura, devolvendo-nos a dignidade de filhos amados e convidando-nos a caminhar com Ele na plenitude do seu amor.

    Que, ao iniciar a quarta semana do tempo quaresmal, possamos, com fé e esperança, nos abrir para essa misericórdia que transforma. Que possamos abandonar as barreiras que nos separam e buscar o perdão e a reconciliação, tanto com Deus quanto com nossos irmãos, reconhecendo que cada encontro com o divino é também um reencontro com a nossa própria humanidade. Ao celebrarmos a alegria deste domingo, que possamos nos lembrar de que viver com o Pai é viver em sintonia com seu amor misericordioso, deixando para trás os resquícios de orgulho e rejeição que nos distanciam de sua graça. Que a luz do Espírito Santo nos conduza, e que possamos, a cada dia, experimentar a reconciliação que nos faz verdadeiramente novos.

Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo!

Postagem Anterior Próxima Postagem