Homilia da Santa Missa do II Domingo da Páscoa (Domingo da Divina Misericórdia) - 27.04.2025
Queridos irmãos e irmãs em Cristo Jesus,
Hoje, a liturgia nos reúne para celebrar o Segundo Domingo do Tempo da Páscoa, que também conhecemos como Domingo In Albis, o Domingo da Divina Misericórdia e, em muitas tradições populares, como o Domingo da Pascoela.
Chamamos este dia de In Albis — expressão latina que significa "em branco" — porque, nos primeiros séculos da Igreja, os neófitos, aqueles que haviam sido batizados na noite da Vigília Pascal, vestiam, durante toda a oitava da Páscoa, uma túnica branca, sinal da nova vida em Cristo. Hoje, encerrando a oitava, eles depunham suas vestes batismais, integrando-se plenamente à comunidade dos fiéis. A Páscoa, portanto, não se encerra em uma festa isolada, mas se prolonga e se fixa como vida nova no coração dos batizados.
Também é chamado de Pascoela, a "pequena Páscoa", expressão carinhosa que lembra que a alegria da Ressurreição não termina no Domingo de Páscoa, mas se prolonga, ecoando no tempo como uma música que nunca se cala.
Neste domingo, celebramos ainda um marco importante: os 525 anos da Primeira Missa em terras brasileiras, celebrada em 26 de abril de 1500, pelo Frei Henrique de Coimbra, na praia da Coroa Vermelha. Ali, nascia, sob o sinal da Cruz, a história de fé do nosso povo, história que seguimos escrevendo, entre luzes e sombras, mas sempre confiantes na misericórdia de Deus.
A Liturgia da Palavra hoje ilumina profundamente o mistério que celebramos.
A primeira leitura, dos Atos dos Apóstolos, mostra o início da missão da Igreja. Impulsionados pelo Espírito Santo, os apóstolos realizam sinais e maravilhas, e o povo, cheio de fé, se reúne para ouvi-los e buscar cura e libertação. A sombra de Pedro que cura os doentes lembra que a Igreja nasce como sinal visível da ação invisível de Deus no meio da humanidade.
Como nos ensina a Constituição Dogmática Lumen Gentium, a Igreja é o sacramento universal da salvação (cf. LG 48): nela, Cristo continua sua obra redentora e nos conduz à vida eterna. Esta missão, iniciada ali, segue até hoje, pois a Igreja, corpo de Cristo, é o grande instrumento do amor misericordioso de Deus no mundo.
A segunda leitura, do Apocalipse de São João, nos conduz à experiência de João na ilha de Patmos. Perseguido por causa do Evangelho, João é arrebatado no "Dia do Senhor" — o domingo — e tem uma visão gloriosa de Cristo ressuscitado: "Eu sou o Primeiro e o Último, Aquele que vive. Estive morto, mas agora estou vivo para sempre!".
Caríssimos, o Apocalipse, mais do que um livro escatológico, é uma carta de esperança enviada às comunidades perseguidas: Deus está presente, caminha conosco, e a vitória final é d'Ele. João encontrou um jeito de falar do amor de Deus mesmo em meio às tribulações, e nos ensina que, seja qual for a provação, Cristo Ressuscitado tem a chave da morte e da vida.
O Evangelho, por sua vez, é profundamente tocante. Encontramos os discípulos reunidos e com medo, fechados em uma casa. Jesus, porém, entra, mesmo com as portas fechadas, e lhes traz a Paz verdadeira — diferente da Pax Romana imposta pelas armas.
Ao soprar sobre eles, Cristo lhes comunica o Espírito Santo. Aqui, o sopro nos remete diretamente ao Gênesis, quando Deus soprou sobre o homem e lhe deu a vida. Agora, Jesus, vencedor do pecado e da morte, sopra novamente sobre a humanidade, inaugurando uma nova criação: a Igreja, com a missão de anunciar o Evangelho e perdoar os pecados.
É nesse contexto que Jesus institui o Sacramento da Reconciliação: "Recebei o Espírito Santo. A quem perdoardes os pecados, eles lhes serão perdoados". O perdão que a Igreja oferece não é uma invenção humana, mas um dom do Ressuscitado, um sinal do Seu amor misericordioso.
O apóstolo Tomé, ausente na primeira aparição, não acreditou no testemunho dos irmãos. Ele precisava ver para crer. Jesus, com paciência, respeita a sua fraqueza e lhe concede a graça de tocar nas Suas chagas gloriosas. Tomé faz então uma das mais belas profissões de fé de todo o Evangelho: "Meu Senhor e meu Deus!".
A atitude de Tomé nos ensina algo importante: ter dúvidas não nos torna piores diante de Deus. É normal, em certos momentos, precisarmos de sinais mais claros. O perigo é querer barganhar com Deus, exigindo provas, como se a fé fosse um contrato.
A fé é, ao mesmo tempo, um dom de Deus e um ato profundamente livre e humano. Como nos ensina o Catecismo da Igreja Católica:
“É impossível crer sem a graça e os auxílios interiores do Espírito Santo. Não é, portanto, menos verdade que crer é um ato autenticamente humano. Não é contrário nem à liberdade nem à inteligência do homem” (CIC, n. 154).
O Papa Bento XVI, refletindo sobre esta verdade, dizia:
“A fé (…) é um gesto mediante o qual me confio livremente a um Deus que é Pai e que me ama; é adesão a um «Tu» que me dá esperança e confiança.” (Audiência Geral, Vaticano, 24 de outubro de 2012).
Crer é ter coragem de lançar-se no escuro para que Deus acenda a Sua luz. Crer é reconhecer que Deus está vivo, que me ama, e que me chama a caminhar n’Ele.
Jesus declara bem-aventurados aqueles que creram sem terem visto — é o nosso caso, irmãos e irmãs, desde que nos abramos à confiança no Pai das Misericórdias, que, pela morte e ressurreição de Seu Filho, reconciliou o mundo consigo.
Hoje, ao celebrarmos o Domingo da Divina Misericórdia, renovemos nosso coração no amor de Cristo Ressuscitado. Ele nos oferece o sopro do Espírito, a paz verdadeira, o perdão dos pecados, e nos envia como testemunhas da sua Misericórdia para este mundo tão ferido.
Que a Virgem Maria, Mãe da Misericórdia, nos ajude a viver esta fé renovada!
Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo!